Conto olímpico: o dia em que atleta recebeu pacote com medalha dentro
15/08/2016 22:08
Churandy Martina, da Holanda, estreia nesta terça-feira nos 200m, a prova da qual já tem uma medalha em casa - mesmo que não seja considerado o dono dela.
Às 12h32 desta terça-feira, a raia três do Engenhão receberá as pisadas de um sujeito que já é dono de uma medalha olímpica. Mas uma medalha que, na teoria, não lhe pertence. Churandy Martina, 32 anos, representante da Holanda, disputará a eliminatória de sua prova preferida – os 200m, justamente a corrida que lhe rendeu uma prata guardada com todo o carinho em casa. E uma prata que esconde uma das histórias mais bonitas das Olimpíadas recentes.
Aconteceu em 2008. Martina, na época defendendo as Antilhas Holandesas, foi para os Jogos de Pequim como um dos mais fortes concorrentes nos 200m. Ele estava no auge de sua forma. Tinha 24 anos e era candidato natural ao pódio. A expectativa logo foi se confirmando: ele passou pela eliminatória, passou pelas semifinais e foi com tudo para a final.
Na decisão, assim que estourou o sinal de partida, Martina disparou. Estava na cara: só havia um homem capaz de vencê-lo – um jovem chamado Usain Bolt. Vinte segundos depois, o painel do Nicho do Pássaro, em Pequim, confirmava: ouro para Bolt, prata para Martina. Ele ficou eufórico. Não era o título, vá lá, mas ele era o segundo homem mais rápido do planeta nos 200m – uma injeção e tanto em uma carreira que começava a ascender. Foram alguns minutos de festa, de brincadeira, de comemoração – até um fiscal chamá-lo para um comunicado que tiraria seu chão: sua corrida estava sob análise de irregularidade.Martina levou um susto. O que ele poderia ter feito de errado? E então veio a confirmação: ele pisara na linha da raia ao lado e, por isso, seria desclassificado. O mesmo valeria para o terceiro colocado, o americano Wallace Spearmon, que cometera o mesmo erro. Como consequência, a prata foi para Shawn Crawford, dos Estados Unidos, e o bronze foi herdado por Walter Dix, também americano.
Em minutos, Martina trocara a alegria de uma conquista olímpica pela maior decepção de sua vida. Mas era necessário seguir em frente – até porque, na semana seguinte, haveria uma competição em Zurique. O atleta levantou a cabeça, arrumou a mala e foi para a Suíça tentar recuperar na pista o ânimo perdido.
No hotel, em minutos de solidão, Martina pensava na dor de tudo aquilo. Mas fazer o quê? O mundo continuava girando: treinamentos se sucediam, havia entrevistas a dar, até pacotes eram entregues a ele na recepção do hotel. Mas ele lá tinha cabeça para ficar recebendo presentinho? Melhor pegar o embrulho e largar no quarto. Uma hora ele abriria.Até que, em um minuto qualquer, a hora chegou. Martina olhou aquele pacote, aquele pacote olhou para ele, e o atleta resolveu ver o que tinha dentro. Quando abriu, quase caiu sentado. Dentro da caixa branca com interior em veludo vermelho, estava a medalha de prata dos 200m dos Jogos Olímpicos de Pequim. Junto dela, um pequeno bilhete assinado por Shawn Crawford dizia: “Churandy, sei que isto não vai substituir o momento, mas quero que você fique com ela, porque acho que é sua de direito”.
Martina sofreu uma sucessão de emoções. Ficou surpreso, depois emocionado, depois incomodado, depois grato. E tentou devolver a medalha. Argumentou que Crawford a herdara por um motivo justo: que as regras existiam para ser cumpridas. Mas o americano não aceitou a prata de volta. Por alguns dias, uma medalha ficou dividida entre dois atletas que não a queriam – porque um achava que o outro a merecia mais.
Passados oito anos, enquanto vive nova Olimpíada, Churandy Martina sorri ao falar sobre o assunto. É uma história que lhe faz bem.
- Aquele foi um gesto de grande espírito esportivo. Foi muito legal da parte dele. Isso vai ficar na história para sempre – diz Martina ao GloboEsporte.com.
Mas e a medalha? No fim das contas, ficou com quem? Martina tem uma resposta até óbvia:
- Ora, se ele me deu, é minha. Ela segue comigo – brinca ele.Também foi surpreendente naquele gesto o remetente da ação. Shawn Crawford, ouro em Atenas 2004, não era dos atletas mais queridos entre os velocistas. Tinha fama de ser marrento, de falar mais do que deveria. Carregava certa pinta de vilão – o que piorou quando ele, em 2013, recebeu dois anos de suspensão por não indicar a localização exata para exames antidoping. Após a punição, Crawford encerrou a carreira – e, assim, impediu um reencontro com Martina no Rio.
Os Jogos de 2016 são o quarto da carreira do holandês, que estreou em Atenas 2004 – mas apenas na prova de 100m. Em Londres, ele ficou em quinto tanto nos 100m quanto nos 200m. No Rio, foi eliminado na prova mais rápida já na eliminatória. Não avançou às semifinais. Agora, aposta tudo nos 200m. É provável que ele ao menos avance até a semifinal – em sua eliminatória, é quem carrega o melhor tempo individual (19s85) e o segundo melhor do ano (20s11). Espera chegar à final para, quem sabe, disputar uma medalha.
E está em uma terra onde costuma ter sorte – em 2007, foi campeão pan-americano no Rio de Janeiro, quando ainda defendia as Antilhas Holandesas, e em 2002 ganhou um torneio sul-americano em Belém do Pará. Mesmo com o mau resultado nos 100m, ele vem curtindo os Jogos em solo brasileiro.
- É minha primeira Olimpíada deste lado do mundo. É diferente das demais. A atmosfera é ótima, as pessoas são legais. Está muito bom.
Aconteceu em 2008. Martina, na época defendendo as Antilhas Holandesas, foi para os Jogos de Pequim como um dos mais fortes concorrentes nos 200m. Ele estava no auge de sua forma. Tinha 24 anos e era candidato natural ao pódio. A expectativa logo foi se confirmando: ele passou pela eliminatória, passou pelas semifinais e foi com tudo para a final.
Na decisão, assim que estourou o sinal de partida, Martina disparou. Estava na cara: só havia um homem capaz de vencê-lo – um jovem chamado Usain Bolt. Vinte segundos depois, o painel do Nicho do Pássaro, em Pequim, confirmava: ouro para Bolt, prata para Martina. Ele ficou eufórico. Não era o título, vá lá, mas ele era o segundo homem mais rápido do planeta nos 200m – uma injeção e tanto em uma carreira que começava a ascender. Foram alguns minutos de festa, de brincadeira, de comemoração – até um fiscal chamá-lo para um comunicado que tiraria seu chão: sua corrida estava sob análise de irregularidade.Martina levou um susto. O que ele poderia ter feito de errado? E então veio a confirmação: ele pisara na linha da raia ao lado e, por isso, seria desclassificado. O mesmo valeria para o terceiro colocado, o americano Wallace Spearmon, que cometera o mesmo erro. Como consequência, a prata foi para Shawn Crawford, dos Estados Unidos, e o bronze foi herdado por Walter Dix, também americano.
Em minutos, Martina trocara a alegria de uma conquista olímpica pela maior decepção de sua vida. Mas era necessário seguir em frente – até porque, na semana seguinte, haveria uma competição em Zurique. O atleta levantou a cabeça, arrumou a mala e foi para a Suíça tentar recuperar na pista o ânimo perdido.
No hotel, em minutos de solidão, Martina pensava na dor de tudo aquilo. Mas fazer o quê? O mundo continuava girando: treinamentos se sucediam, havia entrevistas a dar, até pacotes eram entregues a ele na recepção do hotel. Mas ele lá tinha cabeça para ficar recebendo presentinho? Melhor pegar o embrulho e largar no quarto. Uma hora ele abriria.Até que, em um minuto qualquer, a hora chegou. Martina olhou aquele pacote, aquele pacote olhou para ele, e o atleta resolveu ver o que tinha dentro. Quando abriu, quase caiu sentado. Dentro da caixa branca com interior em veludo vermelho, estava a medalha de prata dos 200m dos Jogos Olímpicos de Pequim. Junto dela, um pequeno bilhete assinado por Shawn Crawford dizia: “Churandy, sei que isto não vai substituir o momento, mas quero que você fique com ela, porque acho que é sua de direito”.
Martina sofreu uma sucessão de emoções. Ficou surpreso, depois emocionado, depois incomodado, depois grato. E tentou devolver a medalha. Argumentou que Crawford a herdara por um motivo justo: que as regras existiam para ser cumpridas. Mas o americano não aceitou a prata de volta. Por alguns dias, uma medalha ficou dividida entre dois atletas que não a queriam – porque um achava que o outro a merecia mais.
Passados oito anos, enquanto vive nova Olimpíada, Churandy Martina sorri ao falar sobre o assunto. É uma história que lhe faz bem.
- Aquele foi um gesto de grande espírito esportivo. Foi muito legal da parte dele. Isso vai ficar na história para sempre – diz Martina ao GloboEsporte.com.
Mas e a medalha? No fim das contas, ficou com quem? Martina tem uma resposta até óbvia:
- Ora, se ele me deu, é minha. Ela segue comigo – brinca ele.Também foi surpreendente naquele gesto o remetente da ação. Shawn Crawford, ouro em Atenas 2004, não era dos atletas mais queridos entre os velocistas. Tinha fama de ser marrento, de falar mais do que deveria. Carregava certa pinta de vilão – o que piorou quando ele, em 2013, recebeu dois anos de suspensão por não indicar a localização exata para exames antidoping. Após a punição, Crawford encerrou a carreira – e, assim, impediu um reencontro com Martina no Rio.
Os Jogos de 2016 são o quarto da carreira do holandês, que estreou em Atenas 2004 – mas apenas na prova de 100m. Em Londres, ele ficou em quinto tanto nos 100m quanto nos 200m. No Rio, foi eliminado na prova mais rápida já na eliminatória. Não avançou às semifinais. Agora, aposta tudo nos 200m. É provável que ele ao menos avance até a semifinal – em sua eliminatória, é quem carrega o melhor tempo individual (19s85) e o segundo melhor do ano (20s11). Espera chegar à final para, quem sabe, disputar uma medalha.
E está em uma terra onde costuma ter sorte – em 2007, foi campeão pan-americano no Rio de Janeiro, quando ainda defendia as Antilhas Holandesas, e em 2002 ganhou um torneio sul-americano em Belém do Pará. Mesmo com o mau resultado nos 100m, ele vem curtindo os Jogos em solo brasileiro.
- É minha primeira Olimpíada deste lado do mundo. É diferente das demais. A atmosfera é ótima, as pessoas são legais. Está muito bom.